O Lapf foi criado em 2008 no âmbito do Departamento de Educação da PUC-Rio, tendo sido registrado no diretório do CNPq entre 2009 e 2011. Seu objetivo foi a promoção da análise dos processos de agenciamento de identidades, memórias e territórios coletivos, em sua relação com os processos de produção e transmissão do conhecimento, tanto em suas modalidades escolares quanto não escolares. A partir de 2012, porém, suas atividades regulares foram encerradas. Este espaço permanece disponível como registro desta experiência de pesquisa e como meio para que seus antigos participantes eventualmente possam continuar divulgando e promovendo o tema.

sexta-feira, 1 de setembro de 2006

Etnias latino-americanas em movimento

Nuestra América Latina
número 148 • julho / setembro 2006

Etnias latino-americanas em movimento
Os povos indígenas do continente tentam reação ao assédio civilizatório.

 Ainda hoje, não se tem como dimensionar o grau de intercâmbio das experiências entre os povos latino-americanos. Mas da mesma forma que as entidades indígenas e indigenistas do continente tentam espelhar a legislação brasileira sobre garantias de direitos da estrutura social e territorial das etnias, por ser uma das mais avançadas, os povos voltam sua atenção para o que será executado no novo governo boliviano, do indígena Evo Morales. O antropólogo Mario Pereira Rufino acredita que a experiência de vitória de Evo animou muitos segmentos e organizações.
Para Rufino, continua sendo o maior problema das etnias latino-americanas a sustentabilidade econômica das terras que garanta a sobrevivência física e cultural das comunidades, mesmo no Brasil - cuja legislação, como explica Saulo Feitosa, qualifica inquestionavelmente o território indígena segundo a “tradicionalidade”, onde há componentes de referência da cultura indígena (as florestas, os rios, os montes). Nos demais países, esse conceito não existe.
“No Paraguai, tentaram, em 2005, aprovar uma lei que limitava em muito o tamanho das terras de acordo com a disponibilidade de áreas, desconsiderando a tradicionalidade. Só não vingou, porque os indígenas fizeram uma grande mobilização”, afirma Feitosa, do CIMI. Na Argentina, segundo ele, os critérios mudam de província para provínicia.
Por estar sob constante ameaça, as organizações tentam há sete anos no âmbito das Organizações dos Estados Americanos (OEA) criar uma declaração americana sobre direitos dos povos indígenas. “O conceito de ocupação tradicional, de terra demarcada impede os avanços. Na OEA, eles trabalham muito com a idéia de reserva, como foi instituído nos Estados Unidos; ou seja, confinam os indígenas numa terra estranha que não é a deles”, explica Saulo Feitosa.
Esses entraves são próprios da teoria social, que concebeu o Estado. Segundo José Maurício Arruti, a noção de Nação que emergiu no século XIX e continua hegemônica entende que os “grupos atrasados” na evolução dos corpos sociais acabam sendo anexados, adotando todos uma mesma forma cultural. Daí, a falta de preocupação em manter as terras originais às etnias.
Se antes a subjugação era feita à força da cruz e da espada, agora ela tenta se firmar por meio da expansão econômica e do aculturamento. Mas Arruti também percebe um movimento de resistência até em termos demográficos.
“A perpetuação desses grupos e suas formas de identificação diferenciada no seio das sociedades nacionais é um fenômeno surpreendente em si mesmo. Quando é possível contar a população indígena, ela aparece em franco crescimento, invertendo a tendência dominante até o último quarto do século XX”, diz. Hoje, cerca de 10% da população latino-americana pode ser classificada como indígena. Ela é maioria (ou quase) na Bolívia, Guatemala e Peru. No Equador, representa entre 30 e 40% da população total e no México, entre 15 e 20%. Nos outros países, os dados disponíveis não permitem falar em mais de 6% em cada um, mas as informações são muito precárias e distorcidas. No Brasil, por exemplo, onde essa percentagem é relativamente baixa (cerca de 4% da população total foi recenseada como indígena), assiste-se ao fenômeno do crescimento dessa população. É um crescimento vegetativo (aumento da natalidade) e pela etnogênese, ou ainda, pelo processo de auto-identificação como indígena de parte da população até então contabilizada como branca, parda ou negra.
“Há uma postura de auto-preservação diante do assédio civilizador, de resistência negociada, de manutenção e reinvenção continuada de suas memórias”, afirma José Arruti. Ele acrescenta que o projeto que vem sendo esboçado pelos movimentos indígenas na América Latina não passa pela constituição de novas homogeinizações, mas pela ruptura com a lógica do Estado Nação, em nome de um formato pluralista e tolerante


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