O Lapf foi criado em 2008 no âmbito do Departamento de Educação da PUC-Rio, tendo sido registrado no diretório do CNPq entre 2009 e 2011. Seu objetivo foi a promoção da análise dos processos de agenciamento de identidades, memórias e territórios coletivos, em sua relação com os processos de produção e transmissão do conhecimento, tanto em suas modalidades escolares quanto não escolares. A partir de 2012, porém, suas atividades regulares foram encerradas. Este espaço permanece disponível como registro desta experiência de pesquisa e como meio para que seus antigos participantes eventualmente possam continuar divulgando e promovendo o tema.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

gênero e soberania alimentar no Seminário Internacional Quilombos das Américas

Reflexões sobre relações de gênero e soberania alimentar no Seminário Internacional Quilombos das Américas

No último dia do Seminário Internacional Quilombos das Américas (02/12) foram apresentados três painéis: 1) Promoção dos Direitos das Mulheres Afro rurais das Américas; 2) Promoção da Soberania Alimentar; 3) Segurança alimentar em comunidades Afro rurais no Brasil, Colômbia, Equador, Panamá.

O primeiro painel “Promoção dos Direitos das Mulheres Afro Rurais das Américas” teve como objetivo principal discutir sobre as relações de gênero nas comunidades afro rurais abordando temas como a divisão do trabalho produtivo e reprodutivo, o empoderamento econômico das mulheres, as questões geracionais e a garantia de direitos sócio-econômicos e políticos. Participaram desse painel: Altagracia Balcacer, representante da Rede de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de La Diáspora; Magali Neves, assessora internacional da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir); Vanda Sá Barreto, superintendente de Promoção da Igualdade Racial na Bahia e Neusa Gusmão, antropóloga, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Altagracia Bacelar chamou atenção para o fato de que em muitos países da América Latina as mulheres não estão legitimadas para herdarem a terra. O título da propriedade vem em nome do homem e a mulher aparece como uma personagem coadjuvante, aquela que ajuda o homem a cuidar da terra, mas que não é responsável por ela. Magali Neves falou sobre a necessidade de uma Declaração da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre os Direitos dos Povos Afro Rurais nos mesmos moldes que a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, assinada em 2007. Vanda Sá Barreto falou sobre o protagonismo das mulheres nas comunidades quilombolas da Bahia e a relação entre o nível de “consciência política” e o padrão de organização da comunidade. Neusa Gusmão falou sobre o papel das mulheres na organização da comunidade remanescente de quilombo de Campinho da Independência, localizada em Paraty, no Rio de Janeiro, uma “terra de mulher, onde mulher não morre”.

Na segunda parte do primeiro painel foram chamadas as lideranças femininas das comunidades afro rurais para contarem suas experiências: Sandra Maria, presidente da Federação Quilombola do Estado de Minas Gerais; Francinete Pereira, da comunidade de Alcântara no Maranhão; Maria, da comunidade de Empata Viagem, localizada no município de Maraú, na Bahia e Márcia, da comunidade de Angico, Pernambuco.

Sandra Maria falou sobre Minas Gerais, onde a maioria das mantenedoras das comunidades são mulheres, as chamadas “viúvas de maridos vivos”, isso porque grande parte de seus companheiros vão trabalhar na cidade e não voltam mais. Os poucos homens que restaram, em sua grande maioria idosos ou muito jovens, são os que encaram o conflito direto com os fazendeiros enquanto as mulheres vão para a roça. Destacou que nas comunidades de Minas Gerais passam por grandes dificuldades no que se refere a saneamento básico, saúde e educação. São poucas escolas nas comunidades quilombolas e posto de saúde, só nos municípios. Destacou que vem crescendo muito o percentual de mulheres portadores de HIV e câncer, por conta de falta de prevenção.

Francinete Pereira (MA) contou sobre sua experiência dentro de casa com relação ao empoderamento da mulher: “hoje eu vivo uma realidade diferente da que minha mãe viveu”. Declarou que a comunidade de Alcântara luta por políticas públicas voltadas para mulheres.

Maria Aparecida (BA) relatou que na comunidade de Empata Viagem as mulheres estão muito animadas com a implantação do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), todas plantam, produzem e interagem. Agora, são as mulheres que decidem para onde vai o dinheiro. Sobre as casas populares que estão sendo construídas na comunidade, a grande maioria, também esta sendo registrada no nome das mulheres. Quanto à saúde e educação, não há posto de saúde nem escola na comunidade.

Márcia Almeida (PE) começou sua apresentação falando sobre as três formas de discriminação que as mulheres quilombolas vivem: são negras, mulheres e vivem no espaço rural. Apesar da dupla jornada de trabalho, em casa e na roça, as mulheres não são valorizadas pelo que fazem. Destacou também a implantação do PAA na sua comunidade de Angico e destacou a precariedade do acesso à saúde e a educação.

O segundo painel do dia foi “Promoção da soberania alimentar”, que fez uma reflexão sobre a promoção da soberania alimentar, avanços e desafios para a garantia da realização do direito humano à alimentação adequada e saudável junto as comunidades afro rurais. Participaram desse painel Ana Lucia Pereira, representante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA); Marco Aurélio Loureiro, diretor da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Ivonte Carvalho, diretora de Programas da Secretaria de Políticas Públicas para Comunidades Tradicionais (Seppir) e Oscar Chalá, gerente do Plano Plurinacional para Eliminar a Discriminação Racial e a Exclusão Étnica e Cultural do Equador.

Ana Lucia Pereira apresentou o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), um órgão de articulação entre governo e sociedade civil na formulação de diretrizes para a política nacional de segurança alimentar e nutricional e destacou a participação da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) no conselho. Marco Aurélio Loureiro falou sobre o sucesso do programa “Fome Zero” durante o governo Lula. Ivonete Carvalho apresentou a portaria da Seppir nº 22 de 14 de abril de 2010, que instituiu o “Selo Quilombola”, uma estratégia de apoio ao etnodesenvolvimento que dá visibilidade ao produto e dialoga com a estratégia de economia solidária buscando garantir a soberania alimentar e nutricional dessas comunidades. Oscar Chalá declarou que a soberania alimentar não esta apenas ligada as comunidades rurais, tem a ver com a forma de enxergar o mundo, “não há soberania sem identidade, sem representação política, sem corrigir desigualdades”.

O terceiro e último painel do dia foi dedicado a apresentação das experiências de promoção da soberania alimentar nas comunidades afro rurais do Panamá e Equador. Martha Córdoba, liderança do território de Alcaldeza de Darién no Panamá falou sobre a escassez de plantação de verduras no território e do quanto podem aprender com o Brasil. Salomón Acosta Lara, liderança do território ancestral do Vale do Chota NO Equador destacou as práticas produtivas de conhecimento ancestral; “nossos ancestrais, para cortar madeira, tinham que entrar em sintonia com a natureza, separavam as melhores sementes para voltar a plantar, isso é segurança alimentar”.

No final do seminário, Daniel Brasil (Assessoria Internacional da Seppir) e Edson Guiducci (Embrapa), apresentaram os principais objetivos do projeto “Quilombos das Américas”: 1) Construção de acervo documental sobre as comunidades afro rurais pesquisadas, com ênfase em soberania alimentar e acesso a direitos; 2) Fomento ao Fortalecimento Institucional das Comunidades Afro Rurais por meio da sistematização dos dados sobre suas realidades; 3) Produção de ferramentas de comunicação interna eficazes, utilizadas para promover a interação e a troca de informações entre as instituições parceiras do projeto e os atores envolvidas em sua execução; 4) Produtos de comunicação externa que enfatizem texto, vídeo e imagem; assessoria de imprensa e estratégias publicitárias que resultem na documentação e visibilização dos efeitos positivos do projeto.

As pesquisas estão previstas para serem iniciadas no primeiro semestre de 2011. Na primeira fase do projeto, será realizado um levantamento extenso de políticas públicas, programas, atividades, projetos governamentais, e legislação referente ao tema do projeto nos países envolvidos (Brasil, Panamá, Equador e Colômbia). Além disso, também esta previsto um levantamento extenso de trabalhos acadêmicos e outras pesquisas, tendo em vista a formulação de um quadro analítico orientado para a identificação de possibilidades de cooperação; e a caracterização dos aspectos sociais, culturais, econômicos e históricos das comunidades afro rurais selecionadas nos diferentes países, por meio de trabalho de campo. A partir daí, propõe-se realizar o I Encontro Regional de Comunidades Afro Rurais em Quito (Equador). A intenção é fortalecer a articulação internacional dessas populações afro rurais e fomentar o desenvolvimento de seus territórios.

Daniela Yabeta

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