O Lapf foi criado em 2008 no âmbito do Departamento de Educação da PUC-Rio, tendo sido registrado no diretório do CNPq entre 2009 e 2011. Seu objetivo foi a promoção da análise dos processos de agenciamento de identidades, memórias e territórios coletivos, em sua relação com os processos de produção e transmissão do conhecimento, tanto em suas modalidades escolares quanto não escolares. A partir de 2012, porém, suas atividades regulares foram encerradas. Este espaço permanece disponível como registro desta experiência de pesquisa e como meio para que seus antigos participantes eventualmente possam continuar divulgando e promovendo o tema.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Panorama Quilombola do estado do Rio de Janeiro

Panorama Quilombola do estado do Rio de Janeiro:
Terra, Cultura e Educação
Fonte: Faperj.
Coordenação: José Maurício Arruti (PUC-Rio)
Pesquisadores associados: André Figueiredo (Prof. Dep. Sociologia, UFRRJ) e Daniela Yabeta (Doutorado História UFF)
Assistentes de pesquisa: Kalyla Marum (Dout. Educação PUC-Rio), Ediléia Carvalho (Grad. Educação PUC-Rio), Roberto Castro de Lucena (Grad. História PUC-Rio), Alessandra Pereira (Grad. Ciências Sociais PUC-Rio)
Afirmada a partir da Constituição de 1988, a questão quilombola vem ganhando destaque político desde a década de 1990, quando se iniciaram os debates em torno dos significados do dispositivo constitucional que instituiu este sujeito político e de direitos. Tal destaque tem se ampliado nos últimos anos, com o amadurecimento do debate acadêmico, com a expansão das políticas públicas e com a definição de posições relativamente ao tema na esfera pública, tanto nos meios de comunicação de massa quanto nos debates do mundo da política. Entretanto, apesar do inegável caráter emergente da questão, o debate antropológico e, sobretudo, sociológico em torno do tema no Rio de Janeiro apresenta-se ainda incipiente. No que diz respeito ao levantamento das comunidades quilombolas no estado, encontramos iniciativas pautadas ora pela agenda política de órgãos públicos e pelo caráter de intervenção das assessorias, ora por uma perspectiva exclusivamente historiográfica, que não aponta para uma análise do contexto sócio-antropológico ou político-jurídico destas comunidades.
O objetivo desta pesquisa é elaborar um amplo levantamento do estado atual do tema no estado do Rio de Janeiro, por meio de uma análise das condições e impactos desta política de reconhecimento, tanto no que diz respeito às dinâmicas locais de tais comunidades, quanto às políticas públicas propostas e incidentes sobre elas. Tal análise terá como foco três temas fundamentais: a regularização fundiária, a educação diferenciada e o largo campo das chamadas manifestações culturais, operando em diferentes níveis. Partindo de um largo painel da situação para todo o estado, a pesquisa atingirá o nível do estudo detalhado de casos exemplares com relação a este amplo painel, favorecendo o jogo de escalas (Revel, 1999) que permite apreender as dinâmicas locais e os significados atribuídos aos processos gerais, superando dicotomias tais como as que opõem metodologias qualitativas e quantitativas, abordagens macro e micro etc.
O projeto ponta para três campos temáticos estratégicos por meio dos quais propor um largo panorama da questão no estado, assim como eleger situações locais a serem submetidas a uma análise de caso. São eles a questão fundiária, a questão cultural e a questão educacional.



a) Panorama da questão fundiária: levantamento e análise das situações fundiária e dos conflitos em torno da terra.

Apesar da ampliação do rol de políticas relativas às comunidades quilombolas, resultado da ampliação mesma das concepções dos direitos dos quais tais populações são titulares, o direito à terra permanece como núcleo dos debates e das mobilizações em torno desta identidade étnica. Tal acontece, fundamentalmente, por pelo menos três razões: em primeiro lugar, porque a própria afirmação deste sujeito de direitos se dá, no âmbito constitucional, na garantia de um direito fundiário. Em segundo lugar, é a questão fundiária a que mais fortemente mobiliza as iniciativas contrárias à política quilombola, todas elas informadas pelos interesses em torno da propriedade da terra. Finalmente, apesar das próprias comunidades terem vivido, ultimamente, um processo de ampliação de suas demandas, a garantia da permanência em seus territórios na forma de titulação coletiva é condição sine qua non para a própria existência da comunidade, agora protegida da conversão da terra em mercadoria e, portanto, base material para a afirmação dos demais direitos.
Um dos objetivos específicos desta pesquisa será o levantamento da situação fundiária das comunidades arroladas. Antes de qualquer coisa, isto significa mapear os conflitos locais que, via de regra, operam como motivadores da organização do grupo em torno do tema da terra. Assim, o levantamento deverá identificar os principais conflitantes das comunidades quilombolas, bem como as estratégias utilizadas neste confronto, desde aquelas que passam por mecanismos ilegais de coação e persuasão até o uso de instrumentos jurídicos e para-jurídicos. Em segundo lugar, deve-se mapear as formas através das quais as comunidades se organizaram e vêm se organizando em torno de seus direitos, de que estratégias e parcerias lançam mão. Finalmente, diagnosticar o estados das políticas de regularização fundiária em tais comunidades, estabelecendo, por um lado, as distinções entre as iniciativas de âmbito federal e aquelas de âmbito estadual e, por outro, aquelas de iniciativa de órgãos do executivo e aquelas que passam pelas instituições do mundo do direito.


b) Panorama da questão cultural: levantamento e análise das iniciativas comunitárias, oficiais e de outros agentes sociais relativas às manifestações culturais e aos processos de culturalização e patrimonialização

Os caminhos percorridos pelas políticas de patrimonialização da cultura trilharam caminhos diversos desde as convenções e tratados internacionais, patrocinadas por organismos como a UNESCO, por exemplo, até às políticas específicas no Brasil, sobretudo, com os dispositivos introduzidos na Constituição Federal de 1988, na qual se apresenta um conceito mais amplo de patrimônio, que inclui os bens de natureza material e imaterial “portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Por outro lado, as comunidades tradicionais, como as dos quilombolas do Rio de Janeiro, se articulam tomando as noções de Cultura e Patrimônio como referências para sua atuação pública tanto quanto no estabelecimento de uma identidade social distintiva. Os diversos movimentos feitos por distintas comunidades do Rio de Janeiro apontam para este tipo de atuação na esfera pública mais ampla.
O objetivo neste caso é investigar o papel das manifestações culturais nos processos de afirmação identitária e de reconhecimento social, político e jurídico das comunidades quilombolas do estado. Neste caso, teremos por foco tanto as manifestações secularmente realizadas por tais comunidades e o papel histórico que elas vêm desempanhando na mediação entre os grupos e a sociedade local, e os processos de ressignificação destas manifestações, quanto os processos de “invenção”, “resgate” e “imitação” de manifestações que tidas, nestes contextos, como legitimas portadoras de uma tradicionalidade à qual os grupos em pauta devem se adequar ou a partir da qual podem gerar novos recursos sociais e econômicos. Em outras palavras, trata-se de investigar os percursos da culturalização e patrimonialização (Gonçalves, 2007) do cotidiano e mesmo da religião. Como as políticas de patrimonialização, tendo saído dos gabinetes e dos documentos oficias para o seio das comunidades e de seus agentes, são capturados pela lógica das identidades e demandas sociais por direitos.


c) Panorama da questão educacional: levantamento e análise das iniciativas educacionais formais e informais, genéricas e diferenciadas

Das oito linhas de Ação do Programa Brasil Quilombola de 2006 duas são relativas à regularização fundiária, duas ao tema do desenvolvimento local e sustentável e quatro são relativas à educação. Mas, qual educação? Segundo a SECAD, as ações dirigidas às comunidades quilombolas incidem no apoio à formação de professores de educação básica, na distribuição e material didático para o ensino fundamental, na ampliação e melhoria da rede física escolar nas comunidades e na capacitação de agentes representativos das comunidades. Este último item tem seu peso ampliado se levamos em conta que uma parte considerável das ações ditas de fomento ao desenvolvimento local e sustentável estão relacionadas à “formação” e “capacitação” destas populações em temas que vão dos direitos humanos ao artesanato, da ecologia à comercialização. Assim, podemos dizer que as ações educacionais distribuem-se entre aquelas informais e aquelas formais, relacionadas ao funcionamento das escolas em áreas quilombolas. Nesse segundo plano, porém, há de se observar a distinção entre duas formas de tratamento: quando se pensa em uma atenção diferenciada para as escolas situadas em territórios quilombolas e quando se pensa em ações para uma escola quilombola diferenciada. Se tomarmos esta última perspectiva, observamos que o debate sobre educação quilombola tende a avançar nas duas direções em que a reforma educacional iniciada nos anos 90 aponta: ao incluir as especificidades sociais e históricas das comunidades quilombolas entre os temas relativos à diversidade cultural adotados nos conteúdos curriculares em geral e especificamente daqueles estados e municípios nos quais tais comunidades existem (conforme diretriz exposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais) e ao formular uma política educacional diferenciada para as comunidades quilombolas, a exemplo do que já acontece no plano da educação indígena.
O objetivo neste caso é inventariar e analisar as iniciativas mais importantes de educação voltadas para a população quilombola do estado do Rio de Janeiro, tendo em vista tanto ações informais, extra-escolares, de formação e capacitação política ou para conhecimentos e habilidades sociais específicas; tanto quanto as iniciativas que, dentro das escolas, proponham elaborar projetos político pedagógicos e/ou materiais didáticos específicos para esta população.

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