O Lapf foi criado em 2008 no âmbito do Departamento de Educação da PUC-Rio, tendo sido registrado no diretório do CNPq entre 2009 e 2011. Seu objetivo foi a promoção da análise dos processos de agenciamento de identidades, memórias e territórios coletivos, em sua relação com os processos de produção e transmissão do conhecimento, tanto em suas modalidades escolares quanto não escolares. A partir de 2012, porém, suas atividades regulares foram encerradas. Este espaço permanece disponível como registro desta experiência de pesquisa e como meio para que seus antigos participantes eventualmente possam continuar divulgando e promovendo o tema.

domingo, 13 de março de 2011

Vítimas da Notícia

O título desta nota repete a chamada de capa da revista LIDE (Lide - A revista dos Jornalistas / no. 56, ano 12, junho de 2009, mas da qual eu só tomei conhecimento agora por meio de uma amiga jornalista) para a reportagem "A Reputação Alheia Em Nossas Mãos" (pp.17-21).

Uma reportagem franca que merece ser festejada, como uma iniciativa ao estilo Ombudsman, que abre lamentando: "A qualidade da informação foi para a lata do lixo", para depois relacionar exemplos de "noticiários mentirosos" que tiveram impactos destrutivos e talvez irreversíveis sobre as carreiras morais (e profissionais) de uma série de pessoas.

Curiosamente, esta matéria é precedida de outra intitulada "Quebra de Sigilo Ou Diálogo Sem Segredos?" (pp. 12-15), na qual se discute a atitude da Petrobras em divulgar a troca de e-mails entre seus funcionários e repórteses em processo de elaboração de reportagens como forma de se defender da divulgação de "noticiários mentirosos". Uma atitude que, explica a matéria, é comum nos EUA, por exemplo, mas que a grande imprensa brasileira recebeu mal. Pudera, já que temos aqui a inversão da relação de poder que é descrita francamente na matéria seguinte.

Ou seja, quando as consequências do erro recaem sobre os sujeitos das matérias jornalisticas, tratam-se dos 'ossos do ofício' da mitológica "liberdade de imprensa", mas quando estes sujeitos são fortes o suficiente para revidarem, estamos diante da suposição de 'crime' ou, no mínimo, atitude anti-ética, que é transformada em notícia (agora evidentemente interessada e unilateral) usada pela mesma imprensa para acusar e desacreditar o sujeito, no caso a empresa.

Recomendo a leitura de ambas, disponível em: http://www.jornalistas.org.br/barqs/arquivos/RevistaLide56.pdf

O que me motiva escrever esta nota, porém, é uma terceira possibilidade neste jogo de possibilidades quase infinito: a situação das comunidades quilombolas diante da grande imprensa brasileira, principalmente a partir do ano de 2007.

Nesse caso, não estamos diante apenas de erros e da necessidade de "minimizar os erros de informação", mas de uma situação na qual o órgão de imprensa toma uma posição política contra uma causa popular. A situação é tão grave que o Observatório Quilombola (www.koinonia.org.br/oq), que publica regularmente um clipping da grande imprensa nacional, dos veículos regionais, de blogs e sites sobre o tema, teve que criar um selo, o "Dossiê Imprensa Anti-Quilombola", para marcar determinadas notícias que ele publicava em função do seu compromisso público, mas que, aos olhos de qualquer pessoa informada na temática, deformavam as situações que deveriam descrever e desinformavam mais que informavam o leitor (http://www.koinonia.org.br/oq/dossies_detalhes.asp?cod_dossie=2).

Um segundo índice do impacto desta verdadeira campanha é fornecido por uma Consulta da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, ainda em curso, mas da qual posso lhes adiantar um aspecto. Solicitadas a indicar quais seriam as principais violações de direitos que afligem as comunidades quilombolas do estado do Rio de Janeiro hoje, as lideranças da associação estadual (Acquilerj) apontaram quatro campos de violações: a dificuldade de acesso aos direitos básicos e elementares do cidadão comum; a não realização das políticas anunciadas pelo Governo Federal por meio do Programa Brasil Quilombola; a demora na resolução dos seus conflitos por territórios (o que está ligado à questão do desemprego e da falta de alternativas à geração de renda) e, pasmem, a violência da invisibilidade ou da desinformação imposta pela mídia à questão quilombola.

Para que você não pense que se trata apenas de um pesquisador-militante incomodado com a falta de atenção para um tema que lhe é caro, sou forçado a revelar que, tendo consultado várias vezes amigos jornalistas sobre a possibilidade de incluir o tema nas pautas dos seus veículos, fui informado de que o tema estava proibido por suas editorias, fossem eles veículos de informação públicos ou privados.

Neste caso não estamos diante do erro, da apuração apressada ou da "barriga". Estamos diante de um posicionamento político semi-explícito, que não é "furado" nem mesmo com a boa vontade do jornalista. Infelizmente isso não foi incorporado nas problematizações levantadas por esta interessante reportagem.

Como diria Luiz Antônio Novaes, editor executivo do jornal O Globo, ouvido na reportagem, "a imprensa comete abuso quando não dá o direito de resposta em casos de calúnia, injúria ou difamação". Portanto, não há o que ensinar ao citado jornalista, apesar de ser a empresa em que ele trabalha uma das maiores, senão a principal produtora de "noticiários mentirosos" sobre o tema dos quilombos e de esta empresa não dar, nem mesmo quando solicitada judicialmente, direito de resposta a tais noticiários.
jm arruti

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